A memorização é uma dificuldade muito presente em nossas vidas. E se você tem problemas para lembrar do que leu (ou até para lembrar o que almoçou ontem), vai ficar impressionado com a história do poeta grego Simônides de Céos.

O poeta e o pugilista

Por volta de 600 A.C., em Céos (atual Kea, na Grécia), um famoso pugilista decidiu comemorar sua última vitória com um banquete. O encontro se deu em uma imponente construção no centro da cidade e, para animar o encontro, contratou os serviços do poeta Simônides. 

A história do poeta grego Simônides é um dos mais antigos relatos sobre uso de técnica de memorização
O poeta grego Simônides

Empenhado em agradar os presentes, Simônides fez demonstrações de sua invejável memória, chamando pelo nome cada um dos presentes. Recitou, também, uma linda homenagem ao pugilista. E para demonstrar sua sabedoria ainda citou – na outra metade de seu discurso – Castor e Pollux, dois pugilistas míticos que representavam o heroísmo e receberam a imortalidade do próprio Zeus.

Apesar de ter maravilhado os convidados, o poeta enfureceu o pugilista, que não queria partilhar os holofotes com Castor e Pollux. Assim, na hora de receber seu pagamento, Simônides recebeu no lugar apenas insultos do anfitrião.

Foi então que um mensageiro o chamou, dizendo que dois cavaleiros queriam encontrá-lo. Dirigindo-se ao ponto de encontro, já fora da imponente construção, começou a sentir tudo estremecer: toda a construção ruíra, matando todos os presentes no evento, exceto Simônides.

A tragédia logo se espalhou e todos na cidade vieram em busca de seus entes queridos para, pelo menos, lhes dar um fim digno. Mas, após retirarem os escombros, estavam todos tão desfigurados que não era possível identificá-los. Foi então que Simônides, para aliviar um pouco da já enorme dor dos familiares, levou cada um a seu ente querido, pois lembrava de cor a posição de cada um no banquete.

Após essa incrível demonstração de memória (que aumentou ainda mais seu prestígio), Simônides avistou novamente o mensageiro que o tirara da construção a tempo. Ele trazia um saco contendo a exata quantia que deveria receber pelos seus serviços e uma mensagem dos próprios Castor e Pollux agradecendo a homenagem.

Memorização nos dias de hoje

Assim como o povo se impressionou com Simônides, a memorização é vista quase como um superpoder. Você admira quem tem a famosa “memória fotográfica” e sonha em ter essa capacidade. Mas, na vida real, o buraco é bem mais embaixo. As poucas pessoas que de fato tem uma “memória fotográfica” sofrem com grandes problemas relacionados a isso (cuidado com o que você deseja, pode se tornar realidade). Além disso, pessoas que demonstram uma capacidade incrível de memorização são, na verdade, pessoas normais com bastante treino. Até nosso herói Simônides tinha seus truques! E é isso que eu quero te contar nesse artigo:

Os 4 princípios da Memorização

Para lembrar do que você leu (ou basicamente de qualquer coisa que você queira), existem 4 princípios básicos da memorização. Ao entendê-los e aplicá-los, você dará um grande salto na sua capacidade de internalizar conteúdo.

1. Repetição

Ser exposto repetidamente a um conhecimento nos faz aumentar muito a chance de internalizá-lo. Vimos nesse artigo como funciona a curva do esquecimento, que deixa evidente como a repetição ajuda a evitar o esquecimento.

De fato esse era um dos artifícios de Simônides: repetir seus poemas, listas de nomes e histórias muitas e muitas vezes.

2. Associação (Contexto)

Você já ouviu falar no efeito Baker-baker? Em uma famosa pesquisa, foi mostrado a um dos grupos a foto de um homem e dito que ele se chamava Baker. Para outro grupo foi mostrada a mesma foto, mas foi dito que ele era um “baker” (padeiro, em inglês). Ou seja: a mesma foto e a mesma palavra foi apresentada para os dois grupos (uma como nome e outra como profissão). Alguns dias depois, pouquíssimos integrantes lembraram o nome do sujeito. Já na no segundo grupo, a grande maioria lembrou da sua profissão. Por quê?!

Associação é a resposta. Ou, como chamamos aqui na leitura orgânica, o poder do Contexto. Ao ser apresentado como um padeiro (baker), o segundo grupo criou muitas conexões com referências que já tem sobre o assunto (chapéu de padeiro, cheiro do pão, padaria perto de casa, mão suja de farinha, etc.). Já o primeiro grupo tinha apenas o nome e a foto para criar essa associação, que acabou sendo fraca e se desfez em poucos dias.

Nosso herói Simônides também utilizava a associação: sabia as famílias e os maiores feitos de cada um dos presentes no banquete, por exemplo.

3. Reconhecimento Espacial

É natural do ser humano ter um bom reconhecimento espacial. Isso não quer dizer que você lembra como chegar nos lugares sem Google Maps. Quer dizer que você lembra de cor como era a casa onde cresceu, o colégio onde estudou por anos, a faculdade que frequentou e o caminho que faz todo dia para o trabalho.

Foi assim que Simônides conseguiu lembrar de cada presente após o incidente: ele tinha na sua mente o formato e a disposição de toda a construção. Esse é, de fato, o primeiro relato histórico conhecido do Palácio Mental (famosa técnica de memorização). Para quem (assim como eu) é fã de Sherlock Holmes, vai reconhecer a técnica do Palácio Mental (utilizado no seriado Sherlock na Netflix).

4. Imagens, não palavras

Quando vemos uma placa de trânsito, identificamos rapidamente seu significado. Quando vemos um número, processamos ele muito mais rapidamente do que se ele estivesse escrito por extenso. Somos programados para processar de forma visual muito melhor e mais rapidamente do que de forma verbal.

Ao armazenarmos algo de forma visual, acontece a mesma coisa: é mais fácil se lembrar de uma placa do que seu significado; mais fácil lembrar de um número do que dele por extenso.

Ainda existem diversas outras formas de hackear a memorização, como utilizar o exagero, por exemplo (muito utilizado em propagandas de TV!). Mas esses 4 princípios são a base para desenvolver cada vez mais sua capacidade de ler alguma coisa e de fato lembrar dela. E no próximo artigo eu te mostro o que eu faço para aplicar toda essa teoria na prática!

Esse é o segundo post da série Como não esquecer o que você leu. Para ler o próximo, clique aqui.


2 comentários

Souza · 22 de maio, 2021 às 01:59

Achei muito bom este site! Fizeram um ótimo trabalho.
Parabéns!!!

Internalizar o Conteúdo: como lembrar do que você leu - Leitura Orgânica · 11 de setembro, 2020 às 00:23

[…] Esse é o primeiro post da série Como não esquecer o que você leu. Para ler o próximo, clique aqui. […]

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