A história humana coincide com a história da leitura e da escrita. De fato isso foi tão relevante, que o período que conhecemos como pré-história é justamente o período anterior à invenção da escrita. E alguns eventos foram tão relevantes na História da Leitura que servem como verdadeiros marcos! E nos trazem grandes lições (que perduram até os dias de hoje). Eu listei aqui 5 desses grandes marcos e trago minha visão sobre o impacto que tiveram e têm sobre nós!

A Necessidade Econômica – Aproximadamente 3500 a.C.

Você deve se lembrar da famosa escrita cuneiforme, como essa da imagem. Ela tem esse nome por ser talhada com material em formato de cunha. Mas mais importante que isso, é entender o porquê da sua origem.

Os primeiros escritos encontrados eram registros contábeis e comerciais, e surgiram justamente para facilitar e impulsionar o comércio. A escrita (e a leitura na sua forma mais rudimentar) tiveram papel fundamental na organização e expansão da vida em sociedade, permitindo que um modelo mais complexo fosse adotado (pois agora era possível registrar todas as interações provenientes desse modelo complexo).

Escrita Cuneiforme foi o início da História da Leitura
Escrita Cuneiforme – Recibo da Venda de um Escravo

Os Escribas – Aproximadamente 3000 a.C.

Os registros mais antigos de escribas são do Egito e datam de aproximadamente 3 mil anos antes de Cristo. Aqui vemos um grande avanço na história da leitura: ela não era mais usada apenas para questões comerciais ou legais, mas também para comunicação e registro da história.

O Escriba Sentado
O Escriba Sentado – atualmente exposto no museu do Louvre

O papel do Escriba era muito valorizado e, na escala hierárquica, encontrava-se abaixo somente do próprio Faraó e dos Sacerdotes. Essa posição era tão importante para os egípcios que um dos seus principais deuses era o Thoth, deus do conhecimento e que era o representante de todos os escribas. De fato era algo tão elitizado que, em sua maioria, funcionava semelhante aos nossos cartórios de hoje em dia: de pai para filho. Inclusive, eram tão poucos os que sabiam ler e escrever que as cartas terminavam com “que você fique bem quando ouvir isso”, pois sabiam que a carta seria lida por um escriba para o destinatário.

Com o tempo, o acesso a esse conhecimento foi sendo disseminado e pessoas de classes mais baixas passaram a ser permitidas a aprender também. Como o papiro era caro e demorado para produzir, esses aprendizados se davam em ostarcas (pedaços de argila de vasos quebrados que eram reaproveitados). Até o aprendizado da escrita e da leitura, em si, era muito trabalhoso!

O Código de Hamurabi – Aproximadamente 1772 a.C.

Com o aumento da complexidade da vida em sociedade, a escrita foi ficando cada vez mais necessária e foi evoluindo. Aos poucos foi ampliando seu uso: o código de hamurabi, por exemplo, é um dos mais antigos registros da escrita utilizada para formalizar a lei.

O Código de Hamurabi
O Código de Hamurabi – atualmente exposta no museu do Louvre

Talhado em uma rocha de 2,25m de altura e com uma base de 1,9m de largura, o gigantesco conjunto de leis ficava em local público e descrevia as 282 leis que regiam a Mesopotâmia (então unificada sob o regime do Rei Hamurabi).

Apesar de ser muito famoso pela descrição “olho por olho, dente por dente”, isso não está de fato talhado no código. Mas vários artigos deixam clara essa ideia (na época, os trabalhos exigiam pele em risco):

227 – “Se um construtor edificou uma casa para um Awilum, mas não reforçou seu trabalho, e a casa que construiu caiu e causou a morte do dono da casa, esse construtor será morto”.

A Pedra de Roseta – Aproximadamente 196 a.C.

A Pedra de Roseta
A Pedra de Roseta – atualmente exposta no museu Britânico

A pedra de Roseta é incrível tem esse nome por ter sido utilizada na construção de um forte marítimo na cidade de Roseta (Egito). Em 1799, ela foi encontrada em uma expedição francesa (Napoleônica). Hoje se tornou uma das pedras mais famosas do mundo por sua importância no entendimento da história (principalmente do Egito Antigo).

Isso se deve ao fato de ser o mais antigo registro multilíngue humano. A pedra foi talhada em 3 línguas (egípcio antigo, egípcio demótico e grego antigo). Ela era um decreto faraônico determinando o culto ao faraó Ptolemeu V e por ser plurilíngue permitiu a tradução até então precária do Egípcio Antigo. Com efeito, foi a chave para o aprofundamento de boa parte do conhecimento da história humana que temos hoje.

A Prensa de Gutenberg (um impulso na história da leitura) – Aproximadamente 1440

O processo de fabricação e divulgação dos livros sofreu um salto qualitativo gigantesco com ​a invenção da prensa​. Desenvolvida pelo inventor alemão Johannes Gutenberg, essa máquina permitiu a disseminação e o acesso sem precedentes ao conhecimento. Mas ter dado esse salto não quer dizer que o conhecimento passou a ser automaticamente acessível e estimulado. Esse acesso ainda era limitado e, considerando que essa invenção foi anterior ao descobrimento do Brasil, fica claro o quanto tivemos (e ainda temos) que lutar para disseminar o conhecimento.

Um salto na História da Leitura: A Prensa de Gutenberg
A Prensa de Gutenberg – ainda existem réplicas funcionais da original

E tão intrigante quanto seu impacto na história é seu funcionamento. Se você ainda não viu uma funcionando, recomendo esse vídeo rápido (o áudio é em inglês, mas o mais importante são as imagens). Uma curiosidade: os termos Upper Case e Lower Case, utilizados em inglês para letras Maiúsculas e Minúsculas (respectivamente) tiveram a origem de seu uso por causa da prensa. Isso porque as letras maiúsculas utilizadas na prensa eram, por padrão e para evitar confusão, guardadas no estojo de cima (Upper Case), enquanto as minúsculas ficavam no estojo inferior (Lower Case).

O que aprendemos com a História da Leitura

Conforme prometido, vou trazer algumas reflexões e aprendizados que podemos tirar desses 5 grandes marcos na história da leitura e da escrita.

O primeiro aprendizado é mostrar que a leitura é uma habilidade desenvolvida, não sabemos nascendo ler. Ela nasceu de uma profunda necessidade humana e foi se desenvolvendo na medida que essa necessidade foi aumentando. Isso quer dizer que todos podem aprender e se aprimora! Diferente de um esporte (que tem limitações físicas), tudo que se sabe hoje sobre leitura pode ser desenvolvido e aplicado por praticamente qualquer pessoa. E por mais que todos possam se desenvolver na leitura, ter dificuldades nesse processo é normal. Em uma história de mais de 5000 anos e tão complexa (se não fosse pela Pedra de Roseta ainda teríamos vários mistérios obscuros) não é a toa que você tenha alguns desafios na sua leitura. Essas dificuldades são o que eu chamo de Gargalos da Leitura.

A segunda é mais uma reflexão: o acesso a escrita e a leitura é historicamente algo restrito às elites. Mesmo depois da prensa (e mais recentemente da internet), quanto do nosso aprendizado da leitura hoje é para nos permitir pensar de fato e quanto é apenas para que a gente consiga seguir regras e viver em sociedade? 

Sei que essa reflexão pode soar exagerada num primeiro momento, mas se quiser se aprofundar nela, sugiro que pense no seguinte: quando foi a última vez que te ensinaram a ler? E quando ensinaram, qual dessas duas era a razão? Pensar por conta própria e se desenvolver cada vez mais? Ou conseguir cumprir algumas tarefas e regras?


1 comentário

Cristiane · 16 de janeiro, 2023 às 19:42

Uma leitura enriquecedora, muito proveitosa. Parabéns aos colaboradores .

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