Quando acordou hoje, qual foi a primeira coisa que você fez? Por exemplo, você escovou os dentes? Ou fez café? Conferiu o celular? E quando foi para o trabalho, você seguiu o mesmo caminho de sempre? (Ou trabalhou do mesmo lugar da casa se fizer home office?). Quando pensa em pedir jantar, pensa normalmente nas mesmas opções? E o que essas perguntas tem a ver com o ciclo do hábito?

O Porquê dos Hábitos

Uma pesquisa da Cornell University estima que um adulto tome, em média, 35 mil decisões por dia. É simplesmente impossível tomar tantas decisões assim de forma consciente e com profunda consideração. E é aí que entram os hábitos! Eles existem para tomar a maioria dessas milhares de decisões de forma automática e nos permitirem utilizar o cérebro para outras atividades.

“Toda a nossa vida, na medida em que tem forma definida, não é nada além de uma massa de hábitos”.

William James

William James tentava nos mostrar, desde 1892, que a (grande) maioria das escolhas que tomamos todos os dias parecem ser fruto do nosso poder de decisão, mas na verdade são hábitos. Ou seja, no fundo somos um apanhado de hábitos! E nosso cérebro só reassume o controle periodicamente para checar o andamento.

Isso foi parte fundamental do nosso processo evolutivo, a ponto dos hábitos estarem em uma das partes mais internas e primitivas do nosso cérebro: os gânglios basais. Para entender a profundidade disso, olhem esse exemplo que é citado no Poder do Hábito.

A História de Eugene

No outono de 1992, Eugene teve um caso muito raro de encefalite viral que provocou lesões catastróficas no tecido delicado e fundamental dos pensamentos e sonhos. O resultado foi que Eugene teve perda completa e permanente da memória recente, além de não se recordar das últimas 3 décadas de vida. Por se tratar de um caso muito raro, Eugene foi amplamente estudado e seu caso teve grande impacto no desenvolvimento da ciência do hábito.

Entre esses impactos está uma história inacreditável: depois de ter tido alta e voltado para casa, Eugene saiu um dia para caminhar sozinho e sua mulher não percebeu. O problema é que eles haviam se mudado há poucos anos para a casa atual, então Eugene não tinha memória da casa (de fato, quando solicitado por um dos cientistas para que ele desenhasse onde ficavam os quartos ou a cozinha da sua casa, ele não conseguiu puxar da memória onde ficavam esses cômodos). E agora Eugene estava solto no mundo, caminhando sem rumo e sem saber sequer onde era sua casa.

Mas, depois de alguns minutos, e de procurar em vão por Eugene, sua mulher o viu entrando pela porta de casa… A questão é: como uma pessoa que não sabia dizer onde fica o quarto que dorme todo dia conseguiu dar uma volta no quarteirão e voltar para casa? E a resposta é: o hábito! Eugene já cultivava (antes da encefalite) o hábito de caminhar, e essa parte interna e obscura do cérebro não foi afetada pelo acidente. Ele foi caminhar “em piloto automático” e conseguiu retornar pelo mesmo motivo.

Saber que o hábito é algo tão profundo no nosso cérebro nos ajuda a entender sua importância e, também, o porquê de serem tão difíceis de mudar ou criar. Mas e como um hábito funciona?

O Ciclo do Hábito

O hábito é composto por 3 etapas interconectadas que formam um “ciclo”. É o que Charles Duhigg chama de “O Loop do Hábito”.

O Ciclo do Hábito (Loop do Hábito)
O Ciclo do Hábito (Loop do Hábito)

A “deixa” (ou gatilho) é o que desperta nosso interesse por uma recompensa. A “rotina” é a ação em si. A “recompensa” é a gratificação que seu cérebro recebe por realizar a “rotina”. Por exemplo: uma notificação no celular é uma deixa ou gatilho; Checar as mensagens ou as redes sociais é a rotina; A possibilidade de receber aquela mensagem que você tanto queria é a recompensa.

Mas agora vem a parte mais importante: o que realmente torna esse ciclo um hábito é o anseio: quando o seu cérebro começa a simular a sensação de “recompensa” só por você ver o “gatilho”. É por isso que as notificações dos nossos celulares tem tanto poder: porque elas nos geram o anseio pela “recompensa”, e isso nos faz executar a “rotina” de checá-lo toda vez.

Essa também é a razão pela qual criar um hábito não é tão simples. Se eu quero começar a ler, posso criar um loop do hábito para a leitura: pegar um café pode ser o “gatilho”, ler é a “rotina” e marcar no meu aplicativo de leitura que eu completei a meta do dia pode ser a “recompensa”. O problema é que, enquanto pegar um café não gerar o anseio por marcar a leitura do dia como concluída, o hábito não está sedimentado.

Caso queira ajuda nessa jornada para criar ou recuperar o hábito de ler, recomendo esse curso onde explico e ajudo a construir o Hábito de Leitura.

Esse post foi embasado nos livros O Poder do Hábito, Indistractable e Hábitos Atômicos e complementado com outras pesquisas relevantes e exemplos pessoais. Esse é o primeiro post da série Como Criar o Hábito da Leitura. Para ler o próximo, clique aqui.


6 comentários

Hábitos Angulares: um hábito pode mudar sua vida - Leitura Orgânica · 2 de julho, 2020 às 15:04

[…] post anterior você conferiu como um hábito funciona e o que é o ciclo do hábito. Agora vamos entender melhor […]

Mudanças de Hábitos: não fique pelo caminho - Leitura Orgânica · 2 de julho, 2020 às 16:18

[…] E superar esse vale é seu grande objetivo na construção de um hábito. Como vimos antes, as mudanças de hábitos acontecem quando a “deixa” (gatilho) estiver gerando o anseio pela “recompensa” por si só (lembre-se do ciclo do hábito). […]

Como Criar o Hábito de Ler: hackeando o loop do hábito - Leitura Orgânica · 2 de julho, 2020 às 17:16

[…] vimos no primeiro post dessa série, só vamos de fato superar o Vale da Desilusão e consolidar um hábito quando o […]

Como Ler Mais e Melhor: as 5 mudanças-chave - Leitura Orgânica · 3 de julho, 2020 às 17:03

[…] O que é importante reparar aqui é que quem lê 2h todo sábado lê por mais tempo durante a semana (quem lê 15 min todo dia lê apenas 1h e 45 min). Mas, mesmo assim, a qualidade (e quantidade!) da leitura não se compara. Esse é o poder do contexto: estar com o texto sempre fresco na memória, lembrar de onde parou, aproveitar as conexões no seu dia-a-dia… E isso vai te fazer se sentir muito melhor em relação a sua leitura (lembram da “recompensa” no “ciclo do hábito“?) […]

Planejamento de Leitura: faça o seu em 4 passos - Leitura Orgânica · 25 de agosto, 2020 às 22:11

[…] Primeiro, ele te ajuda a provocar aquela sensação de dever cumprido! E, como vimos no post sobre hábito de leitura, essa recompensa é parte essencial na formação desse hábito. Para potencializar esse efeito, é […]

Meta de Leitura: como criar a sua - Leitura Orgânica · 14 de setembro, 2020 às 23:27

[…] É importante tornar sua meta palpável. Você pode fazer isso no papel, aplicativos ou até no nosso Planner de Leitura gratuito. Com isso feito, lembre-se de acompanhar o andamento! Por exemplo, se você decidiu ler 6 livros nesse ano, precisaria ter lido 2 até o final de abril. Ou se você quer ler 6000 páginas no ano, precisa ter lido 3000 até metade do ano. Por isso, eu reviso o andamento da minha meta uma vez por mês! E recomendo que você faça o mesmo: a sensação de progresso ajuda muito a criar o hábito da leitura. […]

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